Violência policial. Mais pobres são o alvo

Williane Marques de Sousa
Publicado em: sex, 07/05/2021 - 14:19

Na última quinta-feira (06/05) o Brasil foi surpreendido com a notícia de uma operação da Polícia Civil no bairro Jacarezinho, no Norte do Rio de Janeiro, que resultou em 25 mortes, uma delas de um policial, e um intenso tiroteio, que deixou alguns feridos. Além disso, moradores relataram, através das redes sociais, mais mortes que as computadas, além de corpos no chão, invasão de casas e celulares confiscados. Segundo o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni) da Universidade Federal Fluminense (UFF) e a plataforma Fogo Cruzado, esta foi a operação policial mais letal da história do Rio. (1)

Em junho de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu operações em favelas durante a pandemia, só permitindo tais ações apenas em "hipóteses absolutamente excepcionais" e, para isso, os agentes precisariam comunicar ao Ministério Público (MP) sobre o motivo da operação. Neste caso da operação no Jacarezinho, o MP informou que foi notificado pela polícia sobre a ação "logo após o início da operação", mas o delegado da Policia Civil afirmou que a ação cumpriu todos os protocolos da decisão do STF.

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A Polícia Civil afirma que lançou a operação, denominada Operação Exceptis, após receber denúncias de que traficantes locais estariam aliciando crianças e adolescentes para a prática de ações criminosas (2). O órgão informou, através de um comunicado, que identificou 21 integrantes da quadrilha, responsáveis por garantir o domínio do território, através do uso de armas, por meio de trabalho de inteligência e fazendo uso de quebra de sigilos autorizada pela Justiça.

Porém, muitos moradores, sociólogos e defensores dos direitos humanos afirmam que isso não foi simplesmente uma operação policial, mas sim uma chacina, fruto do abuso de poder por parte dos policiais. Moradores da Favela do Jacarezinho denunciaram, em vídeos publicados em redes sociais e em relatos à Defensoria Pública, que a policia estava executando meros suspeitos e que os agentes ficaram ainda mais violentos quando um de seus companheiros foi atingido e morto. Para defensores públicos, além das denúncias, fotos compartilhadas em redes sociais e também tiradas por fotojornalistas demonstram que a polícia "desfez" a cena de crimes. Para eles, mais um indicativo de que houve execuções de suspeitos – sem chance de rendição. (3)

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Infelizmente, este não é o primeiro caso de violência policial nas favelas, onde a maioria da população é constituída por pobres e negros. Uma das cidades brasileiras que mais sofrem com isso é o Rio de Janeiro: nos primeiros quatro meses de 2020, ações da polícia do Rio deixaram 606 mortos. Em abril, por conta das medidas de isolamento, o índice de roubos e outros crimes caíram, mas a violência policial aumentou: policiais foram responsáveis por 35 por cento de todas as mortes violentas intencionais no estado do Rio de Janeiro em abril (4).

Esses casos de violência policial acontecem predominantemente em favelas ou em bairros mais pobres de uma cidade e isso só reforça o quão desigual é a nossa sociedade brasileira e o quanto a classe mais pobre é marginalizada e oprimida por entes que detêm algum tipo de poder, como a polícia. Pesquisas da Human Rights Watch ao longo de mais de uma década mostram que, em bairros pobres, a polícia abre fogo de forma imprudente, sem levar em consideração a vida de quem está por perto. Definitivamente, não vemos isso acontecer em bairros nobres, onde mora “gente branca e poderosa”.

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Essa brutalidade não contribui em nada para diminuir os crimes nas favelas e nem para desmantelar os grupos criminosos atuantes nestes lugares. Pelo contrário, tem a tendência a alimentar ainda mais o ciclo de violência nesses locais e a construir a imagem de inimigo em relação aos policiais, que deveriam ser aqueles que protegem a sociedade.

Além disso, essas operações policiais, como essa recente no Jacarezinho, possuem pouca eficácia no que diz respeito ao combate ao tráfico nas favelas, visto que focam nos agentes errados. Ao invés de invadirem favelas e saírem matando vários suspeitos, a polícia deveria usar seus principais recursos de inteligência e investigação para focar na origem do problema. Uma operação que investigasse a movimentação financeira, por exemplo, seria mais eficaz para apurar e prender os reais responsáveis pelo tráfico e, dessa forma, “arrancaria o mal pela raiz”. A prova desse desvio de foco por parte dos policias é tão clara que, no caso do Jacarezinho, depois de toda a confusão, tiroteios e mortes, as bocas de fumo retornaram normalmente ao seu funcionamento.

Sobre a operação policial mais letal ocorrida no Rio de Janeiro, Operação Exceptis, o MP informou em nota: “O MPRJ, desde o conhecimento das primeiras notícias referentes à realização da operação que vitimou 24 civis e 1 policial civil, vem adotando todas as medidas para a verificação dos fundamentos e circunstâncias que envolvem a operação e mortes decorrentes da intervenção policial, de modo a permitir a abertura de investigação independente para apuração dos fatos, com a adoção das medidas de responsabilização aplicáveis”.

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Espera-se que as autoridades do poder público elaborem e coloquem em prática um novo plano de operações policias, para que se reduza drasticamente a letalidade policial nas favelas. Afinal, vivemos em um país que defende veementemente o direito à vida e a igualdade entre as pessoas e, ações como essa, vão totalmente de encontro com esses direitos e contra um dos princípios basilares da nossa Constituição: o princípio da dignidade humana.

Williane Marques de Sousa
Estudante de Direito – Estagiária Unieducar

REFERÊNCIAS:

  1. https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/05/06/tiroteio-deixa...
  2. https://www.bbc.com/portuguese/brasil-57015948
  3. https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/05/07/moradores-denu...
  4. https://www.hrw.org/pt/news/2020/06/03/375324

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