Publicado em: dom, 27/02/2022 - 08:36
As prefeituras cobram IPTU de imóveis localizados em áreas de risco?
É possível a Regularização Fundiária de imóveis em áreas de risco?
Imóveis construídos irregularmente em área de risco têm energia elétrica regular?
A Prefeitura e Defesa Civil são responsáveis pelas mortes em deslizamentos quando os imóveis localizados nessas áreas de risco permanecem – por anos – sem qualquer tipo de notificação desses órgãos de ordenamento e controle urbano?
Essas quatro perguntas envolvem um entrelaçamento de legislação e responsabilidades as mais diversas. Os recentes desastres urbanos ocorridos na cidade de Teresópolis são um exemplo de como as famílias empurradas para viver em tais áreas acabam, invariavelmente, vitimadas pela soma de negligência, conivência, oportunismo e leniência dos órgãos que falham, voluntaria e involuntariamente nas suas respectivas missões institucionais, vitimando milhares de famílias em todo o país.
Na Estrutura de Governo da Prefeitura de Teresópolis, há a indicação que, dentre as atividades inerentes à Defesa Civil, estão:
Considerando o histórico dos desastres ocorridos no município estão estabelecidos eixos para o aprimoramento institucional da Defesa Civil com o objetivo de conjugar esforços para a redução dos desastres, a saber:
• Identificar e mapear áreas de risco;
• Definir atribuições dos órgãos do Sistema Municipal de Defesa Civil;
• Realizar monitoramentos meteorológicos, hidrológicos e geológicos das áreas de risco, em articulação com a União e o Estado.
Pelo que o país assistiu nas últimas semanas de fevereiro de 2022, onde chuvas deixaram mais de 900 mortos, as atribuições acima devem ter sido completamente ignoradas ou, no mínimo, realizadas de forma ineficaz.
Quando à questão relacionada à cobrança – pela Prefeitura – de Imposto Predial e Territorial Urbano, não temos como cravar se os referidos imóveis localizados nessas áreas de risco estão sendo onerados por tal tributo. De qualquer modo, essa é uma constatação irrelevante, uma vez que, sendo ou não, isso não invalida a cumplicidade dos gestores municipais para com as mortes e perdas patrimoniais. Cobrando ou não o imposto, todos os gestores que ficaram inertes são solidariamente responsáveis.
Para examinarmos as razões que levam famílias pobres a construírem suas casas em áreas de risco, teríamos que retroceder pelo menos cem anos ou um pouco mais na história do Brasil. Deixamos, contudo, a dica de um estudo realizado pelo IPEA, órgão do Governo Federal, sobre o Histórico das favelas na cidade do Rio de Janeiro. Nesse estudo, há uma ‘pista’ sobre como isso ocorreu:
Com as demolições dos cortiços do Centro pelo Prefeito Pereira Passos, entre 1902 e 1906, sem indenização, seus moradores passam a ocupar os morros mais próximos
Tivesse, o presidente, estudado ou procurado se assessorar melhor sobre o tema, não teria dito que "faltou visão a quem construiu moradias em áreas de risco”, ao comentar sobre o que ocorreu em São Paulo entre o final de janeiro e início de fevereiro de 2022.
Para avaliarmos melhor o tema, é interessante observarmos que a Lei Federal No. 13.465/2017, que dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, dentre outros temas, permite tal procedimento, conforme verificamos nos dispositivos da lei em comento a seguir:
Art. 35. O projeto de regularização fundiária conterá, no mínimo:
(...)
VII - estudo técnico para situação de risco, quando for o caso;
Observa-se, pelo teor do Art. 35, VII, que é possível sim, desde que o estudo seja desenvolvido.
Art. 39. Para que seja aprovada a Reurb de núcleos urbanos informais, ou de parcela deles, situados em áreas de riscos geotécnicos, de inundações ou de outros riscos especificados em lei, estudos técnicos deverão ser realizados, a fim de examinar a possibilidade de eliminação, de correção ou de administração de riscos na parcela por eles afetada.
§ 1º Na hipótese do caput deste artigo, é condição indispensável à aprovação da Reurb a implantação das medidas indicadas nos estudos técnicos realizados.
§ 2º Na Reurb-S que envolva áreas de riscos que não comportem eliminação, correção ou administração, os Municípios deverão proceder à realocação dos ocupantes do núcleo urbano informal a ser regularizado.
Já no Art. 39 e parágrafos a lei exige não só a realização de estudos, como condiciona a REURB à implantação das medidas apontadas ou, caso não seja possível, a realocação para outras áreas. Pelo que todos assistimos nos telejornais, nada disso foi feito.
Pesquisando no site da Prefeitura Municipal de Teresópolis, localizamos a seguinte notícia, publicada no dia 3 de abril de 2019:
Equipe da Defesa Civil Municipal, auxiliada por servidores da Secretarias de Obras, demoliu nesta quarta (3), uma casa desocupada e localizada em encosta no bairro Vale da Revolta. A medida segue orientação do Ministério Público Estadual.
O referido imóvel já havia sido demarcado pelo órgão para demolição por localizar-se em área de risco de deslizamento de terra. A previsão é de que outras 20 casas, na mesma situação e com processos para a demolição em andamento, sejam derrubadas em vários bairros.
Observa-se que a notícia deixa evidente a situação do imóvel, duplamente qualificado como “desocupada” e ‘em área de risco’. Pelo teor é possível concluirmos que as demais residências ‘habitadas’, mesmo estando próximas ou em áreas de risco similar, não serão objeto da anunciada demolição.
Infelizmente os desastres que ocorrem em Teresópolis. Os deslizamentos ocorrem há décadas e são objeto de estudos acadêmicos e técnicos oficiais, como é o caso dos seguintes:
A julgar pelo:
- Histórico dos desastres
- Discursos das ‘Autoridades’ logo após as tragédias; e
- Pelo que ocorre depois que as mortes deixam de ocupar espaços na mídia.
Certamente – no ano que vem – voltaremos a escrever sobre o mesmo tema, nos referindo a novas ‘tragédias anunciadas’, sem que se apontem culpados, à exceção das próprias vítimas, que ‘não tiveram visão de futuro’, como acusou o próprio presidente da república (em letras minúsculas, mesmo).
Prof. Dr. Juracy Soares
É professor fundador da Unieducar. Fundador e Editor Chefe da Revista Científica Semana Acadêmica. Graduado em Direito e Contábeis. Especialista em Auditoria, Mestre em Controladoria e Doutor em Direito. Possui Certificação em Docência do Ensino Superior. É pesquisador em novas tecnologias para EaD/E-Learning. Escritor e autor do livro Enriqueça Dormindo.