Publicado em: sex, 05/08/2022 - 08:44
De forma geral, a probidade é um dever a ser observado de modo a caracterizar a conduta e os atos das autoridades e agentes públicos, decorrente do princípio da moralidade administrativa. O senso comum entende a probidade como equivalente à honestidade, honradez, integridade de caráter, retidão.
As pessoas físicas que formam a Administração Pública funcionam como instrumento de exteriorização de vontade das pessoas jurídicas; são os chamados agentes públicos, considerados estes como a pessoa física que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função pública. O termo “agentes públicos” corresponde à conceituação mais genérica, apta a abranger todas as pessoas físicas que exercem funções estatais (públicas).
Assim, a concepção de agente público, para a apuração de ato criminoso e a respectiva aplicação de sanção, deverá ser a mais ampla possível. Os agentes públicos manifestam as vontades do Estado, exercendo cargo, emprego ou função públicas, e abarcam desde as mais altas autoridades políticas até os servidores e empregados públicos e os agentes honoríficos que exercem funções públicas de maneira transitória, em colaboração com o Estado.
O Código Penal usa o termo “funcionário público” em seu art. 327, estabelecendo que assim são considerados, para os efeitos penais, aqueles que, embora transitoriamente ou sem remuneração, exercem cargo, emprego ou função pública. Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública (funcionário público por equiparação para efeitos penais).
A responsabilidade do agente público usualmente se verifica em três instâncias diferentes de responsabilidade, e que abrangem as esferas civil, a penal e a administrativa.
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Para MAZZA (2022, pág. 834), é possível consideramos ainda uma quarta esfera de responsabilização do agente público em decorrência de condutas praticadas no exercício de suas funções, que é aquela decorrente da aplicação da Lei de Improbidade Administrativa (LIA) – Lei nº 8.429/92 – ou seja, o processo judicial é autônomo em relação às demais esferas de responsabilização.
O art. 12 da LIA reforça esse posicionamento, ao determinar que independentemente do ressarcimento integral do dano patrimonial, se efetivo, e das sanções penais comuns e de responsabilidade, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito a uma série de cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato. A tutela à probidade administrativa é promovida por um conjunto de diplomas legislativos diversos, que compreendem uma pluralidade de normas jurídicas.
A LIA foi originalmente editada para regulamentar o artigo 37, § 4º da Constituição Federal, que apresenta a seguinte redação:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
Em 2021, a Lei nº 14.230, que entrou em vigor imediatamente na data de sua publicação, alterou profundamente a redação original da norma de improbidade administrativa – que passou, expressamente, a dispor sobre as sanções aplicáveis em virtude da prática de atos de improbidade administrativa, de que trata o § 4º do art. 37 da Constituição Federal.
Atualmente, o art. 2º da Lei nº 8.429/92 determina que se consideram agentes públicos o agente político, o servidor público e todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades referidas no art. 1º desta Lei.
No que se refere a recursos de origem pública, estão sujeitos às sanções previstas pela Lei nº 8.429/92 o particular, pessoa física ou jurídica, que celebra com a administração pública convênio, contrato de repasse, contrato de gestão, termo de parceria, termo de cooperação ou ajuste administrativo equivalente.
São considerados como atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei nº. 8.429/1992, ressalvados tipos previstos em leis especiais.
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Os atos de improbidade violam a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções e a integridade do patrimônio público e social dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como da administração direta e indireta, no âmbito da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.
Estão sujeitos às sanções desta Lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade privada que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de entes públicos ou governamentais, previstos no § 5º do art. 1º da LIA.
Independentemente de integrar a administração indireta, estão sujeitos às sanções desta Lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade privada para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra no seu patrimônio ou receita atual, limitado o ressarcimento de prejuízos, nesse caso, à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - CONCEITO
COSTA e BARBOSA (2022, pág. 21) consideram que o conceito de improbidade administrativa deve ser conferido em sentido amplo, abrangendo toda conduta dolosa corrupta praticada por agente público – em conjunto ou não com particular ou pessoas jurídicas – que implique enriquecimento ilícito, lesão ao erário ou ofensa aos princípios que regem a Administração Pública.
Já JUSTEN FILHO (2022, 1ª edição, pág. 21) aponta que a improbidade ocorre quando o titular de uma função estatal, atuando de modo isolado ou em acordo com um sujeito privado, viola o fim inerente à sua posição, visando ou não obter vantagem patrimonial indevida, independentemente de acarretar dano ao erário. Para o autor, a improbidade administrativa é conceito técnico-jurídico mais amplo – gênero –, abarcando a corrupção – espécie.
O ato ímprobo é, em suma, um ato ilegal, que tem na desonestidade e na corrupção as suas principais características. Assim, embora toda improbidade administrativa seja, necessariamente, uma ilegalidade, nem toda ilegalidade é um ato ímprobo.
De acordo com o art. 37, §4º, da Constituição Federal, os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. Assim, temos que o próprio texto constitucional prevê que a lei sancionará os atos de improbidade.
Os agentes públicos podem praticar, no exercício das funções estatais, condutas violadoras do Direito, capazes de sujeitá-los à aplicação das mais diversas formas de punição (MAZZA, pág. 1.278). É certo que um ato ímprobo pode também configurar um crime – caso em que os acusados poderão responder a distintos processos judiciais.
As hipóteses tipificadoras de improbidade administrativa foram disciplinadas pela Lei nº 8.429/92.
Vale apontar que a nova redação da legislação fez com que deixasse de ser possível a existência de ato de improbidade culposo, bem como delimitou os atos de improbidade por violação a princípios. Anteriormente, havia a possibilidade de configuração da improbidade por violação ao princípio geral da eficiência da Administração. Atualmente, as condutas que podem caracterizar ato ímprobo apto a violar princípios são aquelas descritas no art. 11 da Lei nº 8.429/1992, em rol exaustivo e não mais exemplificativo.
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FONTES DO DIREITO
As fontes do Direito são o conjunto de processos que dão origem e manifestam as normas jurídicas. Na lição de CAMPOS (pág. 56), as fontes do Direito Administrativo se relacionam às regras e os comportamentos que motivam a positivação do Direito.
Podem ser materiais, quando representam formas de produção e elaboração de certas normas jurídicas e decorrem diretamente de questões relativas às necessidades sociais, econômicas, políticas, morais, culturais ou religiosas de uma determinada coletividade e que demandam regulação; são necessidades prévias, que não integram propriamente o universo da ciência jurídica.
Podem ser também formais, representadas pelas normas de Direito positivo e consistem no modo de revelação e exteriorização da norma jurídica e dos valores que esta pretende tutelar; são os métodos ou processos de criação das normas jurídicas, e sempre são estabelecidas por uma autoridade que subordina a vontade dos indivíduos às suas decisões.
As fontes podem ter caráter interno (formuladas de forma nacional) e externo (regramento internacional), e serem escritas (leis de modo geral) e não escritas (jurisprudência, princípios gerais de direito e os costumes). As fontes podem ainda ser classificadas em primárias, maiores ou diretas (origem principal e imediato das normas) e secundárias, menores ou indiretas (constituem instrumentos acessórios para originar normas, derivados de fontes primárias).
Para COSTA e BARBOSA (pág. 21 e ss.), as fontes normativas relativas à improbidade administrativa dividem-se em:
• Fontes normativas internacionais de combate à corrupção (como, por exemplo, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto nº 5.687/2006; Convenção Interamericana Contra a Corrupção, de 1996, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 4.410/2002; e Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, elaborada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e promulgada pelo Decreto nº 3.678/2000);
• Fontes normativas nacionais, que abrangem: a Constituição Federal de 1988 (especialmente os arts. 37, § 4º, 15, inciso V, que trata da suspensão dos direitos políticos em decorrência da prática de improbidade administrativa e o 14, § 9º, que estabelece a vinculação entre a improbidade administrativa e a esfera eleitoral) e fontes infraconstitucionais de proteção ao patrimônio público, como a Lei nº 4.717/1965 (Lei da Ação Popular), Código Penal (Crimes contra a Administração Pública), Lei nº 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública), Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação), Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), Lei nº 14.133/2021 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos), Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) e, evidentemente, a Lei nº 8.429/1992.
CONTROLE
No âmbito da Administração Pública, a ideia de controle está relacionada à fiscalização, sendo direcionado às instituições administrativas de modo a controlar sua própria atividade. Para CARVALHO FILHO (2020, 34ª edição, págs. 1.673 e 1.674), o controle administrativo da Administração Pública tem dois pilares de sustentação: o princípio da legalidade (pois tudo quanto se processe no âmbito da Administração Pública há de estar adstrito ao que a lei determina) e o atendimento às políticas administrativas (o poder que tem a Administração de estabelecer suas diretrizes, suas metas, suas prioridades e seu planejamento para que a atividade administrativa seja desempenhada da forma mais eficiente e rápida possível, de forma a atender ao interesse público).
O autor define, assim, o controle da Administração Pública como o conjunto de mecanismos jurídicos e administrativos por meio dos quais se exerce o poder de fiscalização e de revisão da atividade administrativa em qualquer das esferas de Poder.
Dentro dessa ideia de controle, COSTA e BARBOSA (pág. 27) apontam a necessidade de controle da probidade administrativa, exercido não apenas pelo estabelecimento de uma cultura de enfrentamento à corrupção, mas também de forma preventiva (buscando evitar e desestimular a prática de atos de improbidade administrativa) e repressiva (tende à efetiva responsabilização do agente ímprobo, com a aplicação de sanções).
O controle preventivo se dá pelo estabelecimento de casos de suspeição e impedimentos (ver art. 253 do Código de Processo Penal e os arts. 144 a 148 do Código de Processo Civil), de incompatibilidades (ver arts. 54, caput, incisos I e II, e 55, caput, inciso I, da Constituição Federal), pela vedação ao nepotismo (ver Súmula Vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal e art. 11, caput, inciso XI, da Lei nº 8.429/1992, que incluiu o nepotismo cruzado como hipótese de ato de improbidade administrativa que implica violação aos princípios da Administração Pública), pela criação de Códigos de Ética, pela definição de conflito de interesses (ver arts. 3º, inciso I e 12 da Lei nº 12.813/2013), pela formação do Cadastro Nacional de Condenados por Ato de Improbidade Administrativo e por Ato que implique Inelegibilidade (CNCIAI) e pelo estabelecimento de políticas e instrumentos de compliance no âmbito de pessoas jurídicas públicas ou privadas.
Já o controle repressivo se manifesta em três esferas distintas: administrativa, legislativa ou judicial, e tende à efetiva responsabilização do agente ímprobo, com a aplicação de sanções. Para COSTA e BARBOSA (págs. 35 e ss.):
• O controle repressivo administrativo consiste na apuração de infrações e aplicação de sanções, por meio de procedimento administrativo disciplinar (PAD) ou similar, aos agentes púbicos que tenham praticado ato de improbidade administrativa;
• O Poder Legislativo pode exercer dois tipos de controle sobre a Administração Pública: político (ex., comissão parlamentar de inquérito) e financeiro (por meio do auxílio do Tribunal de Contas);
• O controle repressivo jurisdicional dos atos de improbidade administrativa pode ser realizado por meio da ação civil de improbidade administrativa (Lei nº 8.429/1992), da ação popular (Lei nº 4.717/1965), ação de impugnação de mandato eletivo (Lei Complementar nº 64/1990), ação de investigação judicial eleitoral (Lei Complementar nº 64/1990) e representação em razão de práticas eleitorais que importem em condutas vedadas aos agentes públicos (artigo 73 da Lei nº 9504/1997).
Vale apontar que, com o advento da Lei nº 14.230/2021, o Ministério Público passou a ser o legitimado exclusivo para a propositura da ação civil de improbidade administrativa.
MICROSSISTEMA ANTICORRUPÇÃO
Os microssistemas jurídicos traduzem uma ideia de multidisciplinaridade. Anteriormente, a concepção da disciplina jurídica era eminentemente monotemática, no sentido de que as normas eram pensadas de maneira específica – ou seja, a tendência era de que não deveria haver, numa mesma lei, a disciplina de matérias pertencentes a ramos jurídicos distintos.
No entanto, atualmente, é cada vez mais frequente que a norma trabalhe, em um único diploma, várias disciplinas jurídicas, em resposta a uma visão mais ampla do Direito em si e de sua utilização para responder demandas sociais que se manifestam, de forma concreta, de maneira a causar efeitos jurídicos em esferas de Direito diversas entre si.
Dessa maneira forma-se a ideia de microssistema, concebido como o conjunto de normas, princípios e regras que regulamentam de forma minuciosa e exaustiva determinadas matérias, abrangendo tanto normas de direito material e processual quanto regras originárias de diversas áreas do direito, tanto o público como o privado. Seu objetivo é tutelar aqueles que, de certa maneira, são considerados mais frágeis dentro de uma dada relação, e, portanto, mais suscetíveis a terem seus direitos violados.
Os microssistemas jurídicos orientam-se pelos ditames constitucionais, integrados ao todo normativo cujo ápice se encontra nas normas da Constituição (BRAGA NETTO, 2017, 12ª edição, pág. 42).
COSTA e BARBOSA (pág. 38) apontam que o Microssistema Anticorrupção busca conferir sistematicidade e integridade na aplicação dos diversos instrumentos de tutela da probidade administrativa e do erário público; perante a interdependência e as normas de reenvio, as lacunas, omissões e contradições devem ser sanadas por meio da interpretação conjunta e recíproca dos diversos diplomas que regem a temática.
Há um amplo arcabouço normativo nacional voltado para a prevenção e o combate à corrupção, nas diversas esferas autônomas de responsabilização (administrativa, de controle externo, civil e criminal) – o que reflete a existência de um verdadeiro microssistema anticorrupção. Desse modo, um único ato ou fato pode dar início à instauração de processos em diversas esferas autônomas de responsabilidade, viabilizando a aplicação de sanções administrativas, de controle externo, cíveis e criminais – sendo que diversas delas repercutem, inclusive, no plano eleitoral, sem que se viole o princípio da vedação ao bis in idem.
Na opinião de COSTA e BARBOSA (pág. 38), o Microssistema Anticorrupção é formado por diversos diplomas que compartilham, no âmbito material, tipos – penais e administrativos – voltados à tutela da probidade e, no âmbito processual, estabelecem processos sancionatórios que devem dialogar entre si. É composto, em seu núcleo não penal, pelas seguintes normas:
• Lei da Ação Popular (Lei nº 4.717/1965);
• Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/1985);
• Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992);
• Lei Anticorrupção Empresarial (Lei nº 12.846/2013).
Na esfera penal, destacam-se o Decreto-Lei nº 201/67 (crimes praticados por prefeitos) e o Código Penal (Título XI – Crimes contra a Administração Pública), bem como todo o conjunto de normas que rege o Direito Processual Penal Coletivo.
LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E DIREITO INTERTEMPORAL
O direito intertemporal é o estudo das regras que disciplinam como as leis devem incidir, ao longo do tempo, aos casos concretos. Em relação à aplicação da Lei de Improbidade Administrativa no tempo, devemos levar em consideração as modificações trazidas pela Lei nº 14.230/2021.
Tratando do tema de forma didática, COSTA e BARBOSA (pág. 57 e ss.) fazem a distinção entre as normas que regulamentam aspectos relacionados ao direito processual e ao direito material.
Assim, conforme o autor, em relação às normas de natureza processual, incide o princípio da imediatidade, de modo que as inovações se aplicam aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada. Em outras palavras, os dispositivos de natureza processual não se aplicam retroativamente, mas incidem de modo imediato, inclusive em relação aos processos em curso.
JUSTEN FILHO (pág. 294) frisa que os eventos processuais consumados em data anterior ao ajuizamento não são afetados pela superveniência da nova Lei. No entanto, são aplicáveis as normas da Lei nº 14.230/2021 aos atos e fatos processuais a serem verificados em data posterior ao início de sua vigência.
Já no que se refere aos recursos, prevalece o entendimento de que devem ser regidos pela lei vigente à época da decisão recorrida. Em relação ao reexame necessário, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já firmou o entendimento de que a lei em vigor no momento da prolação da sentença regula a sujeição ao duplo grau obrigatório, repelindo a retroatividade da norma nova.
Discutindo o regramento relativo ao direito material, COSTA e BARBOSA (pág. 58) ensinam que o disposto no artigo 5º, caput, inciso XXXVI, da Constituição (segundo o qual a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada) é aplicável a todo e qualquer diploma infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público ou de direito privado. Somente as normas constitucionais federais é que, por terem aplicação imediata, podem alcançar, respeitados determinados limites, fatos consumados no passado (retroatividades média e máxima).
Temos, então, que a Constituição Federal determina uma regra geral que veda o efeito retroativo da lei nova, no sentido de que a lei nova apenas regulamenta os casos futuros, de modo que somente os atos praticados após a entrada em vigor da Lei nº 8.429/1992 e, mais recentemente, da Lei nº 14.230/2021 estarão sujeitos às sanções por elas previstas.
Há uma discussão doutrinária acerca da aplicabilidade retroativa das normas mais benéficas trazidas pela Lei nº 14.230/2021, com fundamento na determinação estabelecida pelo art. 5º, inc. XL, da Constituição Federal, segundo o qual a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.
Para JUSTEN FILHO (pág. 292), embora a redação do dispositivo se refira à “lei penal”, é evidente que essa garantia se aplica a qualquer norma de natureza punitiva; não existe alguma característica diferenciada da lei penal que propiciasse a retroatividade da lei punitiva não penal. Na visão do autor (pág. 293), as alterações introduzidas pela Lei nº 14.230/2021, em todas as passagens que configurem tratamento mais benéfico relativamente à configuração ou ao sancionamento por improbidade administrativa, aplicam-se a todas as condutas consumadas em data anterior à sua vigência – em outras palavras, os processos em curso que envolvam pretensão de aplicação da disciplina original da Lei nº 8.429 subordinam-se às regras mais benéficas da Lei nº 14.230/2021.
Já COSTA e BARBOSA (pág. 59) apontam que, acerca o tema, existem duas correntes doutrinárias:
• a primeira posição sustenta inexistir previsão legal ou constitucional para a retroatividade de normas de cunho civil- administrativo, com fulcro no artigo 6º, caput, da Lei de Introdução às Normas do Direitos Brasileiro (LINDB);
• a segunda posição entende ser possível a aplicação do princípio da retroatividade da norma mais benéfica no âmbito do Direito Administrativo Sancionador, pois, embora o artigo 5º, caput, inciso XL, da Constituição Federal faça referência apenas à “lei penal”, a expressão deve ser interpretada como um princípio jurídico geral, aplicável a toda manifestação do jus puniendi.
Deborah C. Alves
Advogada, especialista em Administração Pública
BIBLIOGRAFIA
Constituição Da República Federativa Do Brasil De 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm.
Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8429.htm.
BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Manual de direito do consumidor: à luz da jurisprudência do STJ. – 10. ed. – Salvador: Edições Juspodivm, 2017.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. – 34. ed. – São Paulo: Atlas, 2020.
COSTA, Rafael de Oliveira e BARBOSA, Renato Kim. Nova Lei de improbidade administrativa: atualizada de acordo com a Lei nº 14.230/2021. – São Paulo: Almedina, 2022.
JUSTEN FILHO, Marçal. Reforma da lei de improbidade administrativa comentada e comparada: Lei 14.230, de 25 de outubro de 2021. – 1. ed. –Rio de Janeiro: Forense, 2022.
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. - 12. ed. - São Paulo: SaraivaJur, 2022.