Publicado em: ter, 16/03/2021 - 20:38
O cabelo faz parte do nosso corpo e é algo que caracteriza e transparece a identidade, tanto dos homens como das mulheres. Pode-se citar como exemplo o cabelo crespo e as tranças, que são uma “marca registrada” dos povos africanos, assim como o cabelo liso e escuro caracteriza os povos indígenas. Atualmente, vêm se desconstruindo os padrões de belezas que outrora eram impostos pela sociedade e pela mídia e, com isso, as pessoas se sentem mais livres e confortáveis a terem o cabelo do jeito, do tamanho e da cor que quiserem, e isso é visto até mesmo como forma de expressão.
Com isso, podemos afirmar que o ato de modificar o cabelo de alguém de forma compulsória seria uma afronta a sua dignidade, pois afetaria algo que é constitutivo da sua identidade, afetando a sua honra. Mas e nos casos de corte de cabelo masculino nas unidades prisionais? É uma ação obrigatória prevista em lei e, por isso deve ser cumprida sem questionamentos? Ou se trata de algo que vai contra os princípios constitucionais?
Curso Direitos Humanos em Perspectiva
Este é um assunto que traz divergência de opiniões e de posicionamentos jurídicos: algumas pessoas acham que a obrigatoriedade do corte de cabelo do preso é algo primitivo, degradante e que afronta o princípio constitucional da dignidade humana, pelo fato de o cabelo ser parte da identidade pessoal; já outras, apoiam essa ação, pois acreditam que regras são regras e a pessoa que viola o sistema jurídico deve se submeter às regras da prisão, concordando ou não com elas.
Sobre a previsão legal, a justificativa para o corte obrigatório dos presos é que isso faz parte do processo de higienização pessoal. A Portaria do Ministério da Justiça nº 1.191 de 2008, que disciplina os procedimentos administrativos a serem efetivados durante a inclusão de presos nas penitenciárias federais, traz o seguinte no artigo 2º, inciso VIII:
Curso As Prisões e a Jurisprudência
Art. 2º Compete ao Chefe da Divisão de Segurança e Disciplina, e, na sua ausência e de seu substituto legal, ao Chefe da Equipe de Plantão, coordenar a realização dos seguintes procedimentos, durante a inclusão de presos:
VIII - realizar o processo de higienização pessoal, incluindo:
a) cortar cabelo, utilizando-se como padrão o pente número “2” (dois) da máquina de corte;
b) raspar barba;
c) aparar bigodes.
Outro motivo usado para defender o ato de raspar o cabelo do preso é para evitar ocultação de objetos cortantes entre os cabelos com a finalidade de ferir guardas, transportar e entregar esse objeto a outros presos, ou mesmo para se matar.
Mas se fosse realmente por esses dois motivos, o corte de cabelo seria obrigatório também para as mulheres detentas, o que não é. Logo, muitas pessoas afirmam que essa norma é inconstitucional, sendo considerada uma forma de suprimir a individualidade do sujeito, sendo associada a um ritual de entrada ao sistema carcerário. Muitos também afirmam que essa ação vai contra o Art. 5° da Declaração Universal de Direitos Humanos, que diz: “Ninguém será submetido à tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”.
Percebemos, então, que o corte de cabelo compulsório do preso não encontra amparo constitucional. A previsão normativa que temos é a da portaria que determina o corte como parte da higienização dos presos. Porém, vimos que essa regra não faz muito sentido e, dessa forma, perde a sua validade jurídica, vista também como um ato de desmoralização e uma punição extra ao preso.
Curso Apelação, Habeas Corpus e Revisão Criminal
A nossa Constituição defende a preservação dos direitos humanos para todas as pessoas, inclusive aos presos. Direitos como à dignidade, integridade e individualidade são exemplos desses direitos e, por isso, devem ser respeitados. Quando o direito de decidir sobre seu próprio corpo – incluindo a escolha do seu corte de cabelo – é desrespeitado, acaba ferindo a sua integridade e isso deve ser tratado como ato desumano. Logo, não há dúvidas de que a compulsoriedade do corte de cabelo nos presídios brasileiros é inconstitucional, justamente por negligenciar os direitos inerentes ao preso, que não deixa de ser um ser humano.
Williane Marques de Sousa
Estagiária Unieducar - Estudante de Direito
REFERÊNCIAS:
https://jus.com.br/artigos/62483/corte-de-cabelo-compulsorio-no-sistema-...
https://grmadv.jusbrasil.com.br/artigos/424414760/a-inconstitucionalidad...
https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/461077770/por-qu...