A história por trás da Lei Maria da Penha

Williane Marques de Sousa
Publicado em: qui, 15/07/2021 - 08:26

A Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) talvez seja uma das leis mais conhecidas do nosso ordenamento jurídico. Ela foi promulgada em 2006 com o objetivo principal de coibir a violência doméstica e familiar contra as mulheres brasileiras. Ela dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

Mas, afinal, quem foi “Maria da Penha”, a mulher que inspirou a criação dessa lei?

Maria da Penha Maia Fernandes, natural do Ceará, é farmacêutica bioquímica, se formou pela Universidade Federal do Ceará em 1966 e conclui seu mestrado em Parasitologia em Análises Clínicas na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo em 1977. Foi nesta faculdade paulista que conheceu Marco Antonio Heredia Viveros, um colombiano, que fazia seus estudos de pós-graduação em Economia na mesma instituição.

Começaram a namorar e, como em qualquer começo de namoro, Marco Antonio sempre demonstrava ser muito amável, educado e solidário e em 1976 se casaram. Após a conclusão do mestrado de Maria da Penha e do nascimento da primeira filha do casal, eles se mudaram para Fortaleza e tiveram mais uma filha. Maria nem suspeita o que estava por vir...

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A história dessa mulher mudou drasticamente. Quando Marco Antonio conseguiu a cidadania brasileira e sua estabilidade, começou a ser violento com a esposa. Tornou-se um homem intolerante, prepotente, com comportamentos explosivos, não só com Maria, mas também com suas filhas. Essas mulheres passaram a viver dias de medos, tensões e agressões. Na esperança de que pudesse melhorar a situação, Maria da Penha teve a sua terceira filha, mas o ciclo de violência se repetia constantemente.

Em 1983, Maria da Penha foi vítima de duas tentativas de femicídio por parte de seu marido. Na primeira, ele deu um tiro em suas costas enquanto ela dormia que deixou Maria paraplégica devido a lesões irreversíveis na terceira e quarta vértebras torácicas, laceração na dura-máter e destruição de um terço da medula à esquerda.

Marco Antonio disse à polícia que tudo aquilo foi resultado de uma tentativa de assalto, história essa que foi desmentida pela perícia posteriormente. Quando Maria retornou para casa, ele ainda a manteve em cárcere privado durante 15 dias e tentou eletrocutá-la durante o banho. Além da paraplegia, Maria sofreu várias lesões físicas e traumas psicológicos.

Quando souberam desta situação, amigos e familiares de Maria da Penha conseguiram dar apoio jurídico a ela e providenciaram a sua saída de casa sem que isso pudesse configurar abandono de lar. A mulher, juntando as forças que ainda tinha, recorreu novamente ao judiciário, buscando obter alguma providência.

Por incrível que pareça, apenas em 1991 aconteceu o primeiro julgamento de Marco Antonio, oito anos após o cometimento do crime. Ele foi sentenciado a 15 anos de prisão, mas, devido a recursos solicitados pela sua defesa, saiu do fórum em liberdade... difícil de acreditar não é?!

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O mais incrível é que Maria não desanimou, mesmo fragilizada continuou a lutar por justiça. Neste mesmo período ela escreveu o livro “Sobrevivi...posso contar” que só foi publicado em 1994 e reeditado em 2010. O livro relata sua história, sua luta e os andamentos dos processos contra o seu agressor.

Em 1996 aconteceu o segundo julgamento em que Marco Antonio foi condenado a 10 anos e 6 meses de prisão. Porém, para a indignação de muitos e infelicidade de Maria da Penha, mais uma vez a sentença não foi cumprida, sob a alegação de irregularidades processuais por parte dos advogados de defesa.

Maria da Penha recorreu ao Centro para a Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-americano e ao Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM) que juntos denunciaram o caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA). Mesmo diante de um litígio internacional, que violava gravemente os direitos humanos, o Estado brasileiro permaneceu omisso e não se pronunciou em nenhum momento durante o processo.

Com isso, em 2001, após receber quatro ofícios da CIDH/OEA e por conta do seu silêncio o Estado foi responsabilizado por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres brasileiras. A Comissão Internacional de Direitos Humanos deu algumas recomendações ao Brasil, entre elas:

- Completar, rápida e efetivamente, o processamento penal do responsável da agressão e tentativa de homicídio em prejuízo da Senhora Maria da Penha Maia Fernandes.

- Adotar, sem prejuízo das ações que possam ser instauradas contra o responsável civil da agressão, as medidas necessárias para que o Estado assegure à vítima adequada reparação simbólica e material pelas violações aqui estabelecidas, particularmente por sua falha em oferecer um recurso rápido e efetivo; por manter o caso na impunidade por mais de quinze anos; e por impedir com esse atraso a possibilidade oportuna de ação de reparação e indenização civil.

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O Brasil, então, se viu pressionado: não tinha outra escolha a não ser levar a sério a questão da violência contra a mulher em razão do seu gênero e elaborar medidas legais e ações efetivas para combater e minimizar esta situação. Com isso, em 2002 foi formado um Consórcio de ONGs Feministas para a elaboração de uma lei de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher.

Após debates com os Poderes Legislativos e Executivos e também com a sociedade, o projeto dessa lei foi levado a Câmara dos Deputados e depois ao Senado Federal e foi aprovado por unanimidade em ambas as Casas. Dessa forma, em 7 de agosto de 2006, o presidente da época Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei N. 11.340, que recebeu o nome “Maria da Penha” como forma de homenagem e reconhecimento da luta desta mulher. 

Maria da Penha foi indenizada pelo Estado do Ceará e recebeu reconhecimento nacional e internacionalmente. Atualmente conta sua história de vida e alerta sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher por meio de palestras, seminários e entrevistas para jornais, revistas e programas de rádio e televisão.

Houve também a fundação do Instituto Maria da Penha (IMP), uma organização não governamental e sem fins lucrativos, onde Maria da Penha segue o seu trabalho, promovendo ações de enfrentamento à violência contra a mulher. Também exerce pressão junto às autoridades para que haja o cumprimento total da Lei n. 11.340/2006.

Infelizmente, a história da Maria da Pena não foi a primeira e nem a última a acontecer e evidenciar a violência sofrida pelo sexo feminino. Mesmo com a promulgação da lei, ainda há notificações de vários casos de violência doméstica ocorrendo em todo o território nacional. Por isso, a luta para punir e erradicar toda e qualquer violência de gênero não acabou, ainda há muito que se fazer.

Uma das principais formas de combater este tipo de violência é a denúncia. Se você é vítima de violência doméstica ou familiar ou conhece alguém que esteja passando por essa situação, não se cale. Ligue para o número 180 e efetue sua denúncia. A luta é de todas, por todas!

Williane Marques de Sousa
Estudante de Direito – Estagiária Unieducar

Referências:
https://www.institutomariadapenha.org.br/quem-e-maria-da-penha.html

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