William Bonner multado pela Receita Federal por ‘Pejotização’

Williane Marques de Sousa
Publicado em: ter, 06/04/2021 - 21:52

Nos últimos dias, parte da mídia repercutiu bastante o fato de o jornalista William Bonner e outros colaboradores vinculados à Rede Globo, incluindo artistas, jornalistas e apresentadores, terem sido alvo de auditorias fiscais por parte da Receita Federal. Parte dos envolvidos e a Globo estariam sendo acusados pelo órgão federal de conluio para reduzir o pagamento de impostos e sonegar tributos ao Fisco por meio da chamada ‘pejotização’ (1). Todos os acusados negam as acusações e alguns já emitiram notas de esclarecimento sobre o assunto, a exemplo da Globo, que divulgou nota reproduzida pelo site UOL (2):

"A Globo não comenta questões relacionadas a procedimentos administrativos, próprios ou de terceiros, mas esclarece que todas as formas de contratação praticadas pela empresa, inclusive em relação ao jornalista William Bonner, estão dentro da lei e todos os impostos incidentes são pagos regularmente. Assim como qualquer empresa, a Globo é passível de fiscalizações, tendo garantido por lei também o direito de questionar, em sua defesa, possíveis cobranças indevidas do fisco. Assina: Central Globo de Comunicação."

Porém, o presente artigo não tem como objetivo falar sobre a emissora nem sobre seus respectivos funcionários, muito menos sobre suas condutas, até porque já estão sendo realizadas as devidas investigações pelos órgãos competentes. O foco deste artigo é abordar a questão da pejotização; sua previsão legal e a sua possível irregularidade.

Este mecanismo consiste no ato de uma empresa contratar uma pessoa jurídica (PJ) para a prestação de serviços, em vez de contratar pessoas físicas. Esta prática, se realizada dentro da legalidade e com as devidas condições, pode trazer benefícios tanto para quem está contratando, como a redução de custos, desburocratização em contratações e a prestação de serviços por profissionais qualificados; como também para quem está sendo contratado, como a obtenção de uma maior liberdade profissional e econômica e a inexistência da necessidade de cumprimento de horários ou subordinação a uma hierarquia empresarial.

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Quando uma Pessoa Jurídica é contratada, a relação não é mais de empregado-empresa, mas sim de empresa-empresa. Dentre as principais diferenças nesses tipos de relações está o fato da pessoa jurídica contratada não seguir a regulamentação trabalhista (CLT) e sim a civil. Ela pode, por exemplo, definir seus horários de trabalho, com a concordância da contratante, não fica obrigada a cumprir a jornada integral de trabalho e também não precisa exercer as suas funções de modo exclusivo para uma companhia.  Em contrapartida, a pessoa jurídica contratada não terá direito a alguns benefícios que um celetista teria como, por exemplo, vale alimentação, férias, licença maternidade/paternidade e plano de saúde.

Porém, na prática, algumas empresas acabam burlando o sistema e fazendo com que a pejotização se torne algo ilegal. Nestes casos, a ilegalidade surge quando a contratação da pessoa jurídica, sendo na verdade uma só pessoa, é feita com o objetivo de reduzir custos e sonegar impostos, mantendo, na realidade uma relação de emprego. Isso porque a PJ não têm descontos no pagamento e a empresa não tem que pagá-los, ao contrário de uma pessoa física, cujo do salário é descontado a contribuição ao INSS e o Imposto de Renda, por exemplo. Em outras palavras, a ilegalidade surge quando uma pessoa física é contratada como pessoa jurídica com a finalidade de “ganhar mais”, sonegando impostos.

É justamente por isso que a Receita está “pegando no pé” da Rede Globo, pois ela afirma que a emissora realizou essa manobra para sonegar impostos ao contratar pessoas físicas como pessoas jurídicas, visto que, em vez de pagarem 27,5% sobre seus rendimentos na Globo (como ocorre com pessoas físicas com salários mais altos), os profissionais "pejotizados" pagam alíquotas menores (15% sobre o total mais 10% sobre o que exceder R$ 20 mil mensais).

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Sobre a pejotização ainda há um ponto muito importante a ser falado, que diz respeito a um dos princípios do Direito do Trabalho mais importantes, que é o Princípio da Primazia da Realidade. No Direito do Trabalho busca-se priorizar a realidade em detrimento da forma, ou seja, o que vale mesmo é o que acontece na prática.  Assim, se uma empresa contratar uma pessoa jurídica como prestadora de serviços que, na realidade, é um legítimo empregado e nessa relação forem constatadas características que configuram uma relação empregatícia, tais como a subordinação, a habitualidade e a personalidade, a relação contratual será desconstruída e será reconhecida a relação de emprego.

Vemos esta ilegalidade de contratação comprovada no art. 9° da Consolidação das Leis Trabalhistas, cujo texto diz:

“Serão nulos de pleno direito aos atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”.

Por fim, é importante dizer que a reforma trabalhista de 2017 trouxe uma mudança que regulariza, de certa forma, a pejotização, trazendo a possibilidade de uma empresa contratar profissionais autônomos registrados como pessoas jurídicas, através do CNPJ, para atividades-fim. Dessa forma, uma empresa de tecnologia, por exemplo, pode contratar técnicos de informática autônomos como pessoas jurídicas, sem que isso caracterize um vínculo empregatício. Porém, para que esse tipo de pejotização não se caracterize como fraude, ficou estabelecido também que a contratação de ex-funcionários através de Pessoa Jurídica só pode acontecer após 18 meses transcorridos da demissão dos mesmos.

Mediante o exposto, podemos afirmar que a pejotização não é algo ilegal, desde que seja feita conforme os requisitos e as condições legais e, quando não, pode ser considerada como uma forma de burlar o sistema. No caso da Rede Globo e de seus funcionários apresentado no início desse artigo, se for comprovado que estes usaram a pejotização irregularmente com a finalidade de sonegar impostos e aumentarem seus lucros, as devidas penalizações e ressarcimentos devem ser tomados, afim de que se essas ações fraudulentas sejam combatidas e que a justiça social prevaleça.

Williane Marques de Sousa
Estagiária Unieducar- Estudante de Direito

 

REFERÊNCIAS:
https://gente.ig.com.br/tvenovela/2021-04-01/william-bonner-e-outros-20-...
https://www.uol.com.br/splash/noticias/ooops/2021/04/02/bonner-confirma-...
https://www.contabilizei.com.br/contabilidade-online/pejotizacao/#:~:tex....
https://blog.magnetis.com.br/vale-a-pena-ser-pj/#:~:text=As%20pessoas%20....
https://www.jornalcontabil.com.br/pejotizacao-e-a-reforma-trabalhista-o-...

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