Publicado em: ter, 11/05/2021 - 09:29
Varrer a casa, limpar os móveis, lavar louças e roupas, fazer almoço, lanche e jantar, cuidar dos filhos, marido, parentes idosos e dos animais de estimação... Esses são apenas alguns itens da enorme lista de afazeres que uma mulher realiza diariamente. São tarefas cansativas, desgastantes, estressantes, desvalorizadas e ainda por cima, não remuneradas, muitas vezes somadas ao próprio exercício de sua profissão para garantir seu sustento. Esse tipo de trabalho é denominado de “trabalho do cuidado” e está afetando a vida de milhares de mulheres brasileiras, que trabalham sem descanso, sem folga, sem auxílio e sem pagamento.
O “trabalho do cuidado” ganhou proporção ainda maior com o início da pandemia do coronavírus aqui no Brasil, por volta de março de 2020. Com o isolamento social e o fechamento de vários estabelecimentos comerciais, muitas pessoas foram demitidas e, com isso, passaram a ficar muito mais tempo em casa. Fora isso, como as escolas também tiveram que fechar, os estudantes passaram a estudar em casa, através do ensino online. Nesta perspectiva, imagine uma mãe solteira, desempregada, tendo inúmeros afazeres domésticos diários para realizar e ainda ter que dar conta de cuidar e alimentar os filhos, além de ajudá-los a acompanhar as atividades da escola... Tarefa difícil, não é mesmo?
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“Mas os homens também fazem isso!” Sim, é claro que existem homens que são responsáveis pelos afazeres domésticos da sua casa, mas estes são a minoria. O site “Think Olga” (1) divulgou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Continuada anual feita pela Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em 2019, que constatou que os homens dedicam muito mais o seu tempo para realizar atividades remuneradas e atividades para seu próprio consumo. Em contrapartida, além de dedicar horas trabalhando em sua atividade remunerada, as mulheres ainda dedicam muito mais tempo para realizar o “trabalho do cuidado”, que não é remunerado e, muitas vezes, chega a ser mais cansativo do que o trabalho propriamente dito.
O fato do “trabalho do cuidado” não ser remunerado tem efeitos não só na desigualdade social e na desigualdade de gênero, mas também na economia. O mesmo site citado anteriormente afirma que, ao todo, mulheres gastam em média mais de 61 horas por semana em trabalhos não remunerados no Brasil. Isso é um esforço que equivale a 11% do PIB brasileiro, mais do que qualquer outra indústria!
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Se você esqueceu o que é esse tal de “PIB”, vou te lembrar: a sigla quer dizer Produto Interno Bruto, que é o resultado da soma dos bens e serviços finais produzidos por um país num período, sendo o principal indicador do desempenho econômico de uma nação, adotado por governos do mundo todo (2). Ao fazer este cálculo, o IBGE não leva em consideração todo o trabalho árduo exercido diariamente por milhares de mulheres brasileiras, que dedicam a maior parte do seu dia para cuidar da casa e dos seus parentes. O site G1 (3) divulgou um levantamento que mostra que o resultado do PIB do Brasil em 2020 ficou na 21ª colocação num comparativo entre as 50 maiores economias do mundo. Com certeza, se o “trabalho do cuidado” fosse remunerado e incluído nesse cálculo, não estaríamos nessa posição.
Esse é apenas mais um triste exemplo dos efeitos causados pela desigualdade de gênero, existente não só aqui no Brasil, mas no mundo todo. Um estudo feito pela Oxfam, divulgado pelo site “ANDES” (4) aponta que a existência de diferença salarial entre mulheres e homens no Brasil, mesmo no exercício da mesma função. Como exemplo, informou que, em média, uma mulher no emprego doméstico no Brasil ganha 78,44% do rendimento de homens que exercem as mesmas funções. Além disso, no mundo todo, os homens detêm 50% a mais de riqueza que as mulheres e estão sempre em maior número nos espaços de poder decisórios político e econômico: apenas 18% de todos os ministérios e 24% dos cargos parlamentares no mundo são ocupados por mulheres. Isso reforça o machismo presente na sociedade e mostra que nosso sistema econômico foi construído por homens ricos e poderosos, que seguem ditando as regras que lhe convém e ficando com a maior parte dos benefícios.
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A grande questão é que o “trabalho do cuidado” é fundamental para a sociedade e o seu bom desenvolvimento e, por isso, deveria ser mais valorizado, distribuído e remunerado, em todo o mundo. Sendo bem distribuído, esse trabalho não pesaria tanto sobre as mulheres, que, dessa forma, teriam mais tempo para cuidar de si mesmas e até para construir sua carreira profissional. Ao invés de se preocupar com lucros e riquezas, o Estado deveria visualizar esta situação e investir em sistemas nacionais de cuidado, como creches e casa de cuidados aos idosos, diminuindo a distribuição desproporcional desse tipo de trabalho, que afeta principalmente as mulheres. Também poderia elaborar leis que favorecem as pessoas que realizam o “trabalho do cuidado”, além de adotar um sistema de tributação progressiva, com taxas sobre riqueza, a fim de diminuir a desigualdade social.
Williane Marques de Sousa
Estudante de Direito – Estagiária Unieducar
REFERÊNCIAS
- https://lab.thinkolga.com/economia-do-cuidado/
- https://revistamarieclaire.globo.com/amp/Mulheres-do-Mundo/noticia/2020/...
- https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/03/03/brasil-sai-de-lista-das...
- https://www.andes.org.br/conteudos/noticia/trabalho-nao-remunerado-reali...