Receptação: crime dos inocentes... Só que não.

Williane Marques de Sousa
Publicado em: ter, 27/04/2021 - 19:19

O crime de receptação é comumente definido pela nossa sociedade como “o ato de comprar coisa roubada” e é mais comum do que se imagina, porém, poucas pessoas conhecem suas particularidades e suas modalidades. Trata-se de um crime acessório, ou seja, necessita que tenha ocorrido um crime anterior, que na maioria das vezes é um furto ou um roubo. Foi incluído no Código Penal (CP)  pela Lei 9.426, de 24 de dezembro de 1996 que tipifica o crime da seguinte forma:

 

 Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte; Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Ao lermos o caput deste artigo, percebemos que não é simplesmente o ato de comprar que irá tipificar o crime, mas também receber, transportar, conduzir ou ocultar algo que sabe ser produto de crime. Até mesmo o ato de influenciar e incentivar um terceiro para que este adquira, receba ou oculte o objeto que é produto de um crime anterior, é tipificado como crime de receptação.

Quando lemos a seguinte parte do artigo: “coisa que sabe ser produto de crime” automaticamente lembramos de qual elemento criminal? Isso mesmo, o dolo! Pois o indivíduo sabe que aquela coisa que ele está adquirindo, recebendo ou ocultando é produto de um crime. Então, de maneira geral, o crime de prescrição é um crime doloso. Porém, ele também admite a possibilidade culposa, com algumas condições. A partir de agora, iremos analisar as modalidades do crime de receptação, na sua forma dolosa e culposa.

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A receptação dolosa se divide em cinco tipos: própria, imprópria, privilegiada, agravada e qualificada; já a receptação culposa é de tipo único, estando prevista no §3° do art. 180 do Código Penal.

RECEPTAÇÃO DOLOSA PRÓPRIA
É aquela mais simples, tipificada no próprio caput do artigo 180: “Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime (...)”. Em outras palavras, o agente sabe que aquela coisa em questão é fruto de um crime, coisa roubada, por exemplo, e mesmo assim não se importa, adquire diretamente.

RECEPTAÇÃO DOLOSA IMPRÓPRIA
Esta também está prevista no próprio caput do artigo 180 do CP: “influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte (a coisa produto de crime)”. Aqui, o crime recairá para a pessoa que influenciou um terceiro (de boa fé) a adquirir, receber ou ocultar o produto, sabendo que era um produto proveniente de crime anterior.  O agente usa argumentos para que o terceiro se sinta incentivado ou até mesmo constrangido a adquirir a coisa, como por exemplo, dizer que ele estará perdendo uma oportunidade única de adquirir aquele produto por um preço menor do que o do mercado legal.

RECEPTAÇÃO DOLOSA PRIVILEGIADA
Esta modalidade só acontecerá mediante duas condições: se o agente do crime de receptação for réu primário, ou seja, que nunca foi condenado por sentença transitada em julgado; e se a coisa em questão for de pequeno valor. A primeira condição é bastante clara e objetiva, já a segunda, que diz respeito ao valor da coisa, é mais subjetiva e será determinada pelo juiz, levando em consideração a condição econômica do agente.

A receptação privilegiada está prevista no §5° do art. 180, do CP, que diz: “§ 5º - Na hipótese do § 3º, se o criminoso é primário, pode o juiz, tendo em consideração as circunstâncias, deixar de aplicar a pena. Na receptação dolosa aplica-se o disposto no § 2º do art. 155”.

“Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.” (hipótese do perdão judicial).

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RECEPTAÇÃO DOLOSA AGRAVADA
Se a coisa em questão for um bem de caráter público, ou seja, do patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista, estaremos diante de uma receptação dolosa agravada. Trata-se de uma forma qualificada da receptação, e a pena será aplicada em dobro. Esta modalidade está prevista no §6° do art. 180 do CP, que diz

“Tratando-se de bens do patrimônio da União, de Estado, do Distrito Federal, de Município ou de autarquia, fundação pública, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviços públicos, aplica-se em dobro a pena prevista no caput deste artigo”.

RECEPTAÇÃO DOLOSA QUALIFICADA
Para fecharmos os tipos de receptação na modalidade dolosa temos a forma qualificada que está prevista no §1° do art. 180 e complementada pelo §2° do mesmo artigo, do Código Penal:

“§ 1º - Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime: Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa”.

Neste caso, o receptor, ou seja, o agente ativo da receptação deverá exercer uma atividade comercial ou industrial, portanto, um empresário. Os produtos adquiridos, pelo fato de serem furtados ou roubados, são vendidos a preços mais baixos, e adquirindo tais produtos, o empresário possuirá uma maior quantidade de lucro, porém, de forma imoral e criminosa. O §2° complementa a ideia de atividade comercial e diz que:

“equipara-se à atividade comercial, para efeito do parágrafo anterior, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercício em residência”.

RECEPTAÇÃO CULPOSA
Por fim, existe a possibilidade de receptação culposa, ou seja, quando não há a presença do dolo. Nela, o agente possui dúvidas sobre a origem delituosa da coisa, mas ainda assim assume o risco de adquiri-la. Há três elementos que podem conduzir o agente a essa situação: a natureza da coisa; a desproporção entre o valor e o preço e a condição de quem oferece a coisa. Além disso, na receptação culposa é possível obter o perdão judicial, o qual culminará na extinção da punibilidade, desde que o réu seja primário e as circunstâncias do crime lhe forem favoráveis. Está prevista no §3° do art. 180 do CP, que traz:

“adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso: Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa, ou ambas as penas”.

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Estas são as modalidades de receptação presentes no nosso ordenamento jurídico. Por muitos este crime é conhecido como “crime dos inocentes, só que não”, porque é muito fácil se falar e é o que mais acontece na prática o autor afirmar que não sabia da origem criminosa do produto. Por isso, sempre que lhe for oferecido um produto com um preço “imperdível”, totalmente desproporcional ao mercado, desconfie! Tome cuidado para não se envolver em um crime de receptação.

Williane Marques de Sousa
Estagiária Unieducar – Estudante de Direito

REFERÊNCIAS:

  1. https://rbispo77.jusbrasil.com.br/artigos/627410975/crime-de-receptacao
  2. https://jus.com.br/artigos/39289/receptacao-analise-doutrinaria-e-jurisp...

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