Publicado em: dom, 08/11/2020 - 11:12
Ao olharmos para o mapa dos EUA, percebemos que as duas extremidades a leste e oeste estão azuladas, enquando que o centro rural é muito mais vermelho. Pesquisas realizadas por veiculos de comunicação naquele país indicam que os eleitores urbanos com maior nível de escolaridade foram o ponto de inflexão para evitar a reeleição do presidente Trump.
O desafio da dupla Biden/Harris agora é o de retomar o sentimento de união frente a uma América fortemente dividida. O país sai dessa eleição muito mais dividido. O presidente Trump contribuiu para agravar ainda mais as divergências sociais internas.
Movimento pró democratas se confirma
Uma análise dos resultados da votação junto a mais de três mil condados americanos confirma um movimento que já era apontado em 2016 como tendência. Cada vez mais eleitores aderem aos valores defendidos pelo partido democrata. A mudança do perfil do eleitorado se materializa a cada nova eleição e a partir de agora, as novas gerações de imigrantes que adquirem o direito a voto se constituem em uma nova potência a ser cativada pelos futuros candidatos. Lentamente o país vai incorporando uma diversidade multicultural e multirracial.
Nível de escolaridade
A análise do perfil dos eleitores que apoiaram a chapa vencedora de Biden e Harris revela que a população que detém mais diplomas universitários garantiu a Biden superar os resultados obtidos por Hillary Clinton em 2016. Já em outros condados nos quais o nível de escolaridade de eleitores é inferior, eventuais ganhos (quando ocorreram) foram inferiores. Essa caracterísitca se revela como ponto que vem se firmando para as novas eleições. O resultado revela que os eleitores menos escolarizados são mais suscetíveis a argumentos sem base científica e até mesmo a teorias da conspiração.
Isso ficou patente pelo fato de que o presidente Trump ganhou terreno especialmente naqueles condados onde residem predominantemente eleitores brancos não graduados. Um dos condados que explicam esse fenômeno, o de Willacy, no estado do Texas, proporcionou um crescimento superior a 13 pontos para o atual presidente, em relação aos resultados colhidos por ele em 2016. Nesse condado, 86% dos votantes são brancos sem graduação.
Desde 2000 o que se observa é que enquanto o Partido Republicano vê sua influência crescer entre eleitores brancos não formados em faculdade, a realidade para o Partido Democrata é inversamente proporcional. Gradualmente há crescimento qualitativo entre os eleitores do partido “Azul”, que registra crescimento consistente entre os eleitores com melhor nível de formação escolar.
Afro-americanos (ainda) ainda não votam massivamente em Democratas
Aqui é necessário um registro demográfico. Nos Estados Unidos a população afro-americana é de apenas 12.7%, segundo dados do censo de 2015, enquanto no Brasil, que detém a segunda maior população negra do mundo, só perdendo para a Nigéria, os negros são mais que 56%.
Mesmo com todos os recentes protestos após o assassinato de George Floyd por um policial branco, de modo geral, os resultados colhidos pela chapa democrata não se revelaram diferentes daqueles obtivos em cidades com mais ou menos eleitores negros.
Na linha contrária, o presidente eleito obteve melhores resultados exatamente nos condados em que a população é predominantemente branca, em percentuais superiores a 90%. Esse foi o panorama nos estados em que Trump obteve vitória em 2016, mas foi derrotado em 2020, como Wisconsin, Michigan e Pensilvânia.
Hispânicos ou Latinos penderam para Trump
O condado de Miami-Dade, onde 64% da população é latina, rendeu ao atual presidente 12 pontos extras. Essa “surpresa” acabou sendo crucial para a vitória de Trump nesse importante colégio eleitoral que é a Flórida, já que esse condado é o maior do estado. Esse tipo de resultado, contudo, tende a migrar para os democratas nas próximas eleições, a partir do momento em que a nova geração de netos de imigrantes latinos adquirirem o direito a voto.
Stacey Abrams - a ativista negra que virou o jogo na Geórgia
Precisamos sempre repisar o fato de que – nos EUA – o voto não é obrigatório. Esse fator desobriga, por consequência, que pessoas tenham o registro como eleitor, algo que é mandatório no Brasil. Nos EUA, portanto, essa característica pode abrir oportunidades para candidatos agirem de modo a dificultar a participação de eleitores de certos estratos sociais, como negros, por exemplo, exerçam o seu direito ao voto.
Essa parece ter sido a estratégia quando o estado da Geórgia aprovou – em 2017 - a lei "exact match law" (Lei de Correspondência Exata, em tradução livre). Pela referida lei, os nomes dos eleitores constantes em relatórios das juntas eleitorais não poderiam ter um único caractere diferente do documento de identificação emitido pelo serviço de identificação estadual. Isso fez com que eleitores que tivessem se registrado com um hífen ou acento em desacordo, era impedido de votar.
A então candidata ao Governo da Geórgia, a Advogada Stacey Abrams, de 46 anos, perdeu a eleição de 2018 por uma margem mínima de votos. O seu oponente, atual governador do estado é Brian Kemp, então candidato republicano. A Advogada e candidata derrotada acusou o então governador eleito de ter agido – enquanto secretário de Estado – de modo a barrar a participação da minoria negra no pleito em favor próprio.
O resultado prático da aplicação dessa lei foi que mais de cinquenta e três mil eleitores, dos quais mais de 70% eram negros, foram impedidos de votar. A partir daí a Advogada e Ativista deu início a um forte trabalho em prol de ações focadas em elevar a participação de eleitores de minorias nas futuras eleições. O New Georgia Project (Projeto Nova Geórgia, em tradução livre) é uma iniciativa de sua autoria que aponta um crescimento de 18% desde 2013, a partir do cadastramento de jovens negros, entre 18 e 29 anos e mulheres solteiras. Essa parcela soma 62% da população com idade para votar.
Muitos veículos de comunicação americanos estão apontando essa iniciativa como determinante para o alcance do resultado, que “virou” o jogo naquele estado para o presidente eleito Joe Biden nesta eleição de 2020. Desde a derrota ao governo do estado em 2018, a iniciativa já registrou mais de 800 mil novos eleitores.
Basquete e Futebol Americano – NBA e NFL (também) foram protagonistas
Desde setembro de 2020 a Liga Nacional de Basquete Americano, a poderosa NBA deliberou pela autorização aos jogadores do uso de camisetas com a palavra “vote”, em apoio expresso à iniciativa que visava aumentar a participação de eleitores no pleito de 2020.
Atletas e ex-atletas da NBA, negros que ficaram milionários e famosos graças ao sucesso nas quadras, como LeBron James e Michael Jordan lideraram um movimento sem precedentes para pressionar a liga no sentido de que os estádios de basquete se transformassem em locais de votação.
LeBron James, além das inúmeras inciativas de apoio à comunidade negra, como o projeto iPromisse, é anfitrião de um programa de entrevistas na TV americana. Nesse programa, o astro do basquete americano recebe as mais diversas personalidades.
Em um episódio que foi ao ar pouco antes do dia 03 de novembro, dia das eleições americanas, LeBron recebeu ninguém menos que Obama, ex-presidente americano e amigo do candidato Joe Biden, que atuou como vice nos dois mandatos do primeiro presidente negro dos Estados Unidos. Naquele programa, James confidenciou que havia recebido um vídeo de sua mãe, votando pela primeira vez para presidente. O astro e tetra campeão da NBA disse sentir-se orgulhoso de sua mãe.
A NFL – National Football League também fez sua parte e lançou a iniciativa NFL Votes, com uma série de instruções sobre como o eleitores poderiam se registrar; verificar o status de eleitor registrado; checar as opções para votação e até a realização do voto, conforme e a legislação local aplicável.
É claro que há uma infinidade de outros fatores, atores e circunstâncias que construíram esse resultado histórico na eleição presidencial nos EUA. Afinal de contas, Trump entra para a história como o 5º presidente a não se reeleger, dentre os 45 presidentes americanos, já que Biden é o 46º e sequer assumiu.
Mas é certo que, por essas e outras características únicas e inéditas, a eleição norte americana de 2020 entra sim, para a história, não só daquele país que é a maior economia global, mas de todo o mundo como um exemplo de respeito aos valores democráticos e também como uma lição de como as batalhas devem ser travadas no âmbito político e ideológico.
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Prof. Dr. Juracy Soares – juracy.soares@unieducar.org.br. Doutor em Direito; Mestre em Controladoria; Especialista em Auditoria; Graduado em Direito e Contábeis; Certificação em Docência do Ensino Superior. É professor fundador da Unieducar. Fundador e Editor Chefe da Revista Científica Semana Acadêmica. É Pesquisador em EaD/E-Learning.