Reforma Tributária blinda Bilionários e mantém prêmio a Predadores Ambientais

Juracy Braga Soares Junior
Publicado em: sex, 23/06/2023 - 01:24

Reforma Tributária blinda Bilionários e mantém premia Predadores Ambientais

O texto divulgado pelo relator da Reforma Tributária ontem – 22 de junho de 2023 – é ruim sob vários aspectos. Numa avaliação rápida é possível citar – por enquanto – oito pontos críticos, a saber:

1.: INDEFINIÇÃO DE ALÍQUOTA E IMPACTO TRIBUTÁRIO: O texto aponta uma única alíquota, mas na prática são três. Uma de X%, que não sabemos se será de 25%, 30%, 40% ou 50% sobre bens e serviços. A partir daí, sugere uma alíquota reduzida de 50% do somatório das alíquotas do Estado + Município destinatário, para medicamentos, saúde, educação e transporte, por exemplo e outra alíquota zero para atividades como a Educação no ensino superior, agropecuária, pesqueira, florestal e extrativista vegetal in natura. O problema aqui é a indefinição da alíquota modal, que inviabiliza qualquer tipo de projeção de impacto, principalmente sobre o setor de serviços.

2.: BANCOS, BLINDADOS, ESCOLHERÃO O QUANTO QUEREM PAGAR: Os bancos saem ilesos de qualquer aumento de carga. A narrativa vendida foi a de que todos seriam tributados na mesma alíquota, inclusive o sistema financeiro, que é, de longe, o que mais lucra no país. O texto, apesar de fazer crer que essa é uma verdade, esconde uma “pegadinha”, que é a instituição de um regime tributário específico e abertura de possibilidades para cálculo do imposto com base na receita ou no faturamento. A partir daí, as instituições financeiras podem deslocar, de soslaio, o quanto quiserem de sua receita para o spread, que não será tributado. Ou seja, na prática, um banco pode faturar um trilhão com receita de juros e pagar menos imposto do que a pizzaria do Zezinho da esquina.

3.: IPVA DE JATINHO? IATE? JET-SKI? ESQUECE! Há brechas no texto para isentar esses veículos. Basta formalizar cadastro para formalizar uma suposta prestação de serviços de transporte e até como de suporte à pesca industrial, artesanal, científica ou de subsistência. Até as plataformas marítimas que (acredite) se desloquem sozinhas, ficam isentas. Imagine um bilionário em seu iate de luxo, dando uma festa pros amigos, com duas varas de pesca na popa do barco, sendo abordado pela fiscalização para saber se o barco é de “suporte à pesca de subsistência”? É claro que ele vai apontar – às gargalhadas – as varas para os fiscais e dizer algo do tipo: “vocês não estão vendo que estamos pescando para nossa subsistência”? Em resumo: o motoboy vai continuar pagando o IPVA da moto que usa para levar comida à sua família, enquanto o bilionário curte no seu iate, devidamente blindado pela lei tributária.

4.: PRÊMIO A PREDADORES AMBIENTAIS: Predadores ambientais que há décadas extraem nosso minério e exportam pagando zero de ICMS, gerando emprego e renda lá fora também continuarão isentos do imposto. É o tipo do negócio que devasta o Meio Ambiente e ainda é premiado com isenção tributária. O Brasil arca com o ônus do dano ambiental e recebe, como troco, zero de pagamento de impostos. É uma faceta colonialista travestida de “text book” de compliance tributário. Isso sem falar na projeção de evasão fiscal calculada pelo Instituto Justiça Fiscal (IJF) que, só com minério de ferro, seria de R$ 6 bilhões de reais por ano. Isso por conta das exportações subfaturadas.

5.: GOVERNADORES, PREFEITOS E SECRETÁRIOS DE FAZENDA E FINANÇAS VIRAM PASSAGEIROS: A modelagem que o texto prevê para o Conselho Federativo passa a concentrar demasiado poder nesse único órgão, o que debilita a atuação – de forma autônoma – dos entes subnacionais, desestimulando o investimento em inteligência no âmbito da Administração Tributária. Governadores e Prefeitos, bem como seus secretários de Fazenda e Finanças, vão virar passageiros de um ônibus que eles não enxergam o motorista. E, sempre que precisarem tratar de como carrear recursos para os cofres do Estado e Município, vão ter que pegar um avião e pedir – com muita educação – pro pessoal do Conselho Federativo olhar “com carinho” a situação de seu cofre, que certamente não entendem como está tão esvaziado. Ou seja, os secretários de fazenda e finanças vão poder, no máximo, tomar conta do prédio, até porque nem poder sobre os Auditores eles terão mais, já que esses mesmos já passam a responder, exclusivamente ao Conselho Federativo. A partir daí as Administrações Tributárias serão desmanteladas e teremos, no médio prazo, efeito similar à desindustrialização dessa engrenagem burocrática que é essencial à sobrevivência de Estados, Distrito Federal e Municípios.

6.: BENS E SERVIÇOS PREJUDICIAIS À SAÚDE E MEIO AMBIENTE: A produção, para exportação, de bens e serviços prejudiciais à Saúde e ao Meio Ambiente também permanecem isentos. Vamos empurrar com a barriga a oportunidade de transição para um modelo de tributação socioecológica, que passe a privilegiar a indústria saudável e sustentável. O Brasil continuará sendo celeiro do mundo, de onde todos vêm retirar nossas riquezas, inclusive para produzir bens que agridem a natureza e nossa saúde, sem qualquer tipo de cobrança sobre essa indústria que maltrata pessoas e o meio ambiente.

7.: COMPENSAÇÃO FUNDOS... AGORA VAI FUNCIONAR? A experiência recente com relação às promessas de transferências de fundos da União para Estados, Distrito Federal e Municípios nos ensinou que isso invariavelmente falha. Além de falhar, por absoluto desinteresse da União em transferir o que é de direito aos entes subnacionais, se consolida como estratégia para garantir que governadores e prefeitos sejam humilhados nas constantes peregrinações a Brasília para, de pires na mão, pedirem por favor o que lhes é de direito. A União, recentemente, fez um acordo para oficializar um calote trilionário sobre os valores devidos em função da desoneração de exportações impostas pela lei Kandir.

8.: MODELO DE IVA IDEAL BASEADO NO CRÉDITO FINANCEIRO FOI PRO ESPAÇO: Até mesmo o modelo de creditamento do imposto baseado na liquidação financeira foi jogado para uma Lei Complementar e, mesmo assim, como uma “possibilidade” e não como uma regra obrigatória. Na prática, isso significa vamos continuar assistindo mais notas passeando do que mercadorias e serviços sendo, efetivamente, transacionados. O Brasil continuará sendo o paraíso das empresas que vendem nota fiscal (e deixam milionários os empresários que atuam nesse “ramo de atividade”.

Em suma, o que foi prometido não está – absolutamente – sendo entregue nesse texto. O que estamos vendo é um conjunto de manobras subterrâneas visando elevar a tributação em setores produtivos ao mesmo tempo em que privilegia ainda mais os bilionários e predadores ambientais.

A saída? Como amanhã é dia de São João, lembro que não devemos tentar escapar do fogo para pular numa fogueira. Se é para reformar, temos que tratar de avançarmos e corrigir as falhas estruturais com a vontade de cobrar mais dos que mais ganham. Essa reforma – do jeito que está – atende realmente a quem? Afinal de contas, vamos na ciranda do Anavantú e Anarriê, só porque tá todo mundo embalado?

Juracy Soares - profjuracysoares@gmail.com 
Professor Universitário. Doutor em Direito. Mestre em Controladoria. Especialista em Auditoria. Contador. Bacharel em Direito. AFRE-CE. Diretor Executivo da Auditece – Associação dos Auditores Fiscais do Estado do Ceará. Diretor de Estudos Tributários da Febrafite – Associação Nacional das Associações de Fiscais de Tributos Estaduais.

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