O mito da guarda materna

Sheylane Farias Martins
Publicado em: qui, 29/04/2021 - 09:40

Não raro, a sociedade, o instinto, as novelas e os filmes nos deixam com a falsa sensação de que, quando estamos diante um processo que envolve guarda, a mãe/mulher já está com a “causa ganha” e ficará com a guarda dos filhos. Entretanto, precisamos desmistificar essa ideia, pois, embora, em muitos casos os filhos fiquem realmente aos cuidados da mãe, essa premissa não é absoluta.

Na maioria dos casos, a mulher tende a ficar com a guarda dos filhos por inúmeras questões, tais como, disponibilidade de tempo, dedicação, e, no caso de bebês, ser ainda a fonte alimentar dos mesmos.

Via de regra, a mulher, seja pela questão cultural ou mesmo pela sua entrega total a maternidade, acaba apresentando melhores condições, senão mais abdicação e opta por educar e proteger os filhos. Ficando assim, ao pai/genitor a assistência material (dentro das suas possibilidades), a convivência nos dias de visita e a sua parcela nas decisões da vida dos filhos.

Porém, há casos em que a mãe/mulher não deseja ficar com a guarda dos filhos ou não oferece condições para isso. E, enquanto aplicadores do Direito, devemos respeitar essa possibilidade e entender que ela existe.

Assim como, devemos entender que, em se tratando de guarda, um tema tão sensível, em especial nas que se dão de forma unilateral, o magistrado tem o dever de analisar todos os pormenores existentes com fins únicos de preservar o bem-estar do menor envolvido.

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Primeiramente, nos cabe esclarecer o que é a guarda unilateral. Então, vejamos o que diz o art. 1.583, do Código Civil de 2002:

“Art. 1.583.  A guarda será unilateral ou compartilhada.

§1ºCompreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5º) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.
§ 2º A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores:
I – afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar;
II – saúde e segurança;
III – educação.
§ 3º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos.”

Percebam que, a própria redação da lei já deixa claro que a guarda unilateral não obrigatoriamente será da mãe, mas, sim, de quem apresentar melhor condições para o menor. Condições essas que, ressaltamos, não são apenas condições financeiras, envolvendo uma série de outros fatores.

Tratar da guarda unilateral como algo inerente as melhores condições do menor é importante e muito necessário, pois evita o prejulgamento antecipado e equivocado de um processo, evitando a exposição desnecessária de crianças a riscos físicos e mentais.

Ainda sobre o tema, vejamos o que diz a jurisprudência pátria a respeito do tema:

“APELAÇÃO CÍVEL. GUARDA DE MENOR. MANUTENÇÃO DA GUARDA PATERNA. Trata-se de guarda do filho dos litigantes, que conta com nove anos de idade, e no período pós ruptura da relação dos genitores esteve por momentos sob a guarda materna e outros aos cuidados do pai, situação que ficou estabelecida em audiência de março de 2017. A avaliação social e psicológica de julho de 2018 referente as condições tanto da apelante como do apelado de ter o menino sob seus cuidados, mas destaca a prevalência da continuidade da guarda paterna. Deve, sempre, ser priorizada a segurança emocional e o bem-estar da criança, como exige o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Constituição Federal. E, no caso, está evidenciado que a família materna e paterna alcançaram um nível de relação que preserva os interesses da criança, bem ambientada junto ao pai e família ampliada, assim como viabiliza a convivência materna em todos os finais de semana, exceto o último do mês, e parte das férias, feriados e dias festivos. Neste contexto, deve ser mantida a sentença. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME.” (TJRS – Apelação Cível AC 70082081159, Publicação:12.11.2019)

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. GUARDA POSTULAÇÃO DA GENITORA. MELHOR INTERESSE DA MENOR. MANTIDA A GUARDA PATERNA. ALIMENTOS. As alterações de guarda, em regra, devem ser evitadas, na medita em que acarretam modificações na rotina de vida e nas referenciais dos menores, e, por conseguinte, geram transtornos de toda ordem. Deve ser mantida a guarda da filha com o genitor, pois, além de comprovado estar empreendendo esforços para atender as necessidades da filha e cuidá-la adequadamente, não há indicativo de situação de risco na companhia paterna. Os alimentos foram arbitrados de acordo com as necessidades da alimentada e as possibilidades da alimentante, conforme o disposto no art. 1.694, §1º, do Código Civil, sendo descabida a redução. RECURSO DESPROVIDO.” (TJRS – Apelação Cível – AC 70083177121 RS, Publicação: 02.12.2019)

Ademais, como operadores do Direito, não podemos agir com romantismo, todos nós já ouvimos relatos de situações em que os menores não possuem amparo de suas genitoras, que as mesmas não têm o interesse de resguardá-los. E, nesses casos, não há dúvidas de que, a guarda concedida ao pai/genitor, naquele momento, é a melhor opção.

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A guarda, seja ela unilateral ou compartilhada, sempre deverá respeitar o bem-estar do menor envolvido. E, como vimos, pode sim ser concedida unilateralmente ao pai se este for o litigante com melhores condições.
Razão pela qual, não podemos cultivar a crença de que a guarda materna sempre irá prevalecer, vez que, o que deve prevalecer é o bem-estar do menor.

 

Profa. Sheylane Farias Martins - sheylanem@yahoo.com.br
Advogada com atuação nas seguintes áreas: Direito do Trabalho, Direito do Consumidor, Direito de Família e Direito e Segurança do Trabalho. Especialista em Direito do Trabalho pela Faculdade de Tecnologia de Palmas. Graduada em Direito pela Universidade Estácio de Sá. Professora da Unieducar Universidade Corporativa.

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