Publicado em: dom, 14/02/2021 - 18:14
A pandemia gerou mudanças em todo o mundo. No Brasil, até mesmo os mais ferrenhos críticos do Bolsa Família mudaram de opinião e passaram a defender programas de distribuição de renda para a população carente. Dentre os diversos líderes que trocaram o tom de desaprovação por uma defesa ferrenha do aporte de recursos pelo Estado, visando socorrer a retomada econômica, podemos destacar:
Abílio Diniz, empresário e investidor que ficou conhecido por sua liderança no varejo à frente do Grupo Pão de Açúcar. Em sua fala junto a líderes empresariais do varejo brasileiro no dia 25 de março de 2020, alguns dias após o reconhecimento da pandemia pela OMS, o empresário afirmou: "Guedes é liberal, mas na crise somos todos keynesianos". ainda completou, reforçando com a seguinte frase: “Na retomada, é preciso dinheiro. Paulo Guedes vai colocar R$ 600Bi na economia” (1). Se você quer saber mais sobre as ideias defendidas pelo economista britânico citado por Diniz, que ficou conhecido por ter fundado a Escola Keynesiana, acesse a página com o perfil de John Maynard Keynes disponível nas referências, ao final do texto (2).
Rodrigo Pacheco e Arthur Lira, presidentes do Senado e da Câmara Federal, em seus respectivos discursos de posse, defenderam o pagamento de uma renda mínima em forma de Auxílio Emergencial, com o objetivo de amparar a população carente (3).
Jair Bolsonaro, enquanto candidato à presidência da república, fez duras críticas ao programa Bolsa Família. Nas falas que compunham o discurso oficial à candidatura, o então Deputado Federal se referia ao programa de transferência de renda como algo no qual deveríamos “colocar um fim”. Bolsonaro alegava que “...cada vez mais, pobres coitados, ignorantes, ao receberem Bolsa Família, tornam-se eleitores de cabresto do PT” (4).
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O Presidente Bolsonaro, em suas referências ao tema, já sob a chancela de seu governo, não só não extinguiu o Bolsa Família, como assinou – no dia 15 de outubro de 2019 - uma Medida Provisória (MP) que amplia o alcance do programa, para o pagamento do “13º salário para o Bolsa Família” em dezembro daquele ano (5). No último dia 11 de fevereiro de 2021, o mandatário afirmou que os pagamentos do Auxílio Emergencial devem ser retomados já no mês de março (6).
Renda Básica Universal. A ideia de um programa de transferência de Renda Básica Universal a toda a população é uma proposta que vem sendo discutida há séculos e – obviamente – conta com duas fortes correntes de opositores e defensores. A Finlândia levou a iniciativa a cabo e, no dia 06 de maio de 2020, divulgou os resultados de uma experiência desenvolvida no país que – por dois anos – distribuiu renda a toda a população. Dentre os resultados apurados, o estudo aponta leve aumento no índice de emprego e impactos positivos tanto na saúde quanto na qualidade de vida dos beneficiários (7).
Renda Básica de Cidadania. Há mais de 500 anos, na obra icônica denominada Utopia (publicada em 1516), o filósofo britânico Thomas More aborda a ideia de distribuição – pelo Estado – de recursos financeiros de modo a garantir o mínimo para a subsistência. O personagem ficcional Rafael Hitlodeu defende a iniciativa a partir do seguinte discurso, que visava a garantia de meios para que cidadãos não precisassem roubar: “Os ladrões são condenados a um suplício cruel e atroz, quando seria preferível assegurar a subsistência de cada um, de maneira a que ninguém se encontrasse diante da necessidade de roubar para ser, em seguida, executado (8).”
No Brasil, ainda no ano de 2004, o então senador da República, Eduardo Suplicy, encaminhou o primeiro projeto sobre o tema, que se concretizou na publicação da Lei No. 10.835 no dia 08 de janeiro de 2004, que instituiu a Renda Básica de Cidadania (9). Dezesseis anos depois de promulgada a referida lei, ainda no governo Lula, e tendo em vista que, ainda não foi regulamentada, o ex-senador Suplicy publicou um tuíte no dia 13 de abril de 2020 com a seguinte declaração de esperança: ‘Tudo indica que vou viver para ver a renda básica implementada’. (10)
Preconceito e desinformação. No Brasil há muito preconceito e desinformação sobre esse tipo de programa de transferência de renda. Esse tipo de programa recebe fervorosas críticas de cidadãos em todo o país. A declaração é da então ministra Tereza Campello, titular da pasta de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. De acordo com a então ministra ao Valor Econômico, em matéria de outubro de 2015: “O que preocupa a todos nós que vimos o que o Bolsa Família fez pelo país é que tem muita gente que continua atacando o programa e a população pobre; gente que acha que a pessoa é pobre porque é vagabunda. As pessoas são pobres muitas vezes trabalhando muito, muito mais que todos nós, porque não tiveram acesso a um conjunto de serviços, à educação, não puderam se qualificar, muitas vezes plantam e não conseguem colher por causa dessa seca terrível que estamos vivendo. Então, as pessoas têm o apoio no Bolsa Família, é uma complementação” (11).
O que muitos críticos desses programas de transferência de renda não sabem é que – no Brasil – o nosso sistema tributário foi desenvolvido para cobrar mais impostos – proporcionalmente – daqueles que são mais pobres. Em contrapartida, no país, quanto mais rico você for, menos imposto paga. Essa informação pode ser acessada com mais detalhes a partir do artigo publicado no Blog Unieducar intitulado: Brasil cobra mais imposto dos mais pobres e o que é possível fazer para corrigir isso.
É também digno de nota o (des)conhecimento que algumas autoridades e gestores de órgãos e empresas públicas manifestam sobre a nossa realidade econômica e social. O presidente da caixa – Pedro Guimarães – disse em entrevista – no dia 3 de dezembro de 2020 - que ‘não sabia que há pessoas morando em lixões’ (12).
Aumento da carga tributária. Só para os trabalhadores. Enquanto isso, o Governo Federal aumenta – ano após ano – a carga que incide sobre a renda dos trabalhadores, apenas ‘fazendo nada’. Explico: como as faixas de cobrança não são reajustadas há anos, o que ocorre é que, a cada exercício fiscal, cada vez mais pessoas são mais fortemente tributadas pelo Imposto de Renda. A partir de 2021 os brasileiros que ganham apenas dois salários-mínimos passaram a ser tributados pelo referido imposto. A Unafisco Nacional aponta que – caso o governo decidisse corrigir a distorção na tabela - a medida ajudaria a injetar R$ 135Bi na renda familiar (13).
Bolsa Empresário. Para as empresas. Melhor dizendo: para as maiores empresas que decidem operar no país, o Estado brasileiro representado pelo governo federal, governos estaduais, governo distrital e administrações municipais, paga o que poderíamos chamar de ‘Bolsa Empresário’ há décadas. Matéria da Folha de São Paulo apontou que os benefícios tributários (isenções de impostos) só do Governo Federal já superam gastos com programas sociais (14). Então, se você é contra o Bolsa Família, o que acha do pagamento da ‘Bolsa Empresário’? A diferença básica é que o Bolsa Família é um programa para socorrer miseráveis, para que eles tenham o que comer em vez de lixo. E o ‘Bolsa Empresário’ é um programa que transfere renda do mais pobre para o mais rico. É um tipo de ‘Robin Hood’ ao contrário.
Privilégios Tributários só para os mais ricos. Estudo da Unafisco Nacional divulgado no primeiro dia de fevereiro de 2021 em seu site revela que a soma dos benefícios (ou privilégios) atribuídos pelo Governo Federal às empresas privadas fará com que o país renuncie a R$ 315Bi em arrecadação tributária. A Unafisco ainda argumenta que “Os privilégios tributários são concedidos a poucos setores da sociedade. Se o governo empregasse esse valor para gerar uma contrapartida para a sociedade, ele poderia construir 7 milhões de unidades habitacionais de 47m², por exemplo”. A Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco Nacional) desenvolveu então o ‘Privilegiômetro Tributário’, que acompanha essa renúncia de tributos que deveriam ser cobrados das empresas (15).
O presidente Bolsonaro disse – em conversa com apoiadores - que ‘o Brasil está quebrado. Não consigo fazer nada’ (16). Ocorre que o Brasil é um dos dois países do mundo a não cobrar imposto de renda sobre distribuição de lucros e dividendos. Somente o Brasil e a Estônia (você sabe onde fica a Estônia?) não taxam esse tipo de rendimento. Estudo do IPEA - Fundação Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (fundação pública federal vinculada ao Ministério da Economia) aponta que tributar esse tipo de receita entregaria R$ 39Bi aos cofres da União, promovendo uma redução na desigualdade social no Brasil (17).
Há também a possibilidade de instituir o IGF – Imposto sobre Grandes Fortunas, o que geraria – conforme levantamento da Unafisco Nacional (15) mais R$ 58Bi de receita tributária para o Governo Federal desenvolver projetos de investimento e impulso econômico. Os críticos mais ferrenhos do IGF foram recentemente surpreendidos com um conjunto de acontecimentos que desnorteou suas convicções. Esses críticos sempre disseram que o IGF afugentaria investimentos do Brasil. Quando a Ford decidiu deixar o país e focar massivos investimentos na Argentina, país que recente instituiu o IGF, ficaram sem argumentos. Nossos ‘hermanos’ argentinos aprovaram em novembro de 2020 a taxação dos super ricos, o que deve alavancar a arrecadação no equivalente a 0.7% do PIB, alcançando apenas 1% da população mais abastada do país (18).
Então, da próxima vez que você pensar em criticar os mais pobres porque estão eventualmente sendo ‘beneficiados’ com o recebimento de valores de programas de assistência social aos mais carentes, lembre-se de que muito mais é pago a empresas e empresários em forma de isenções tributárias.
O sistema deveria funcionar exatamente ao contrário, cobrando mais tributos dos mais ricos e isentando os mais pobres. Ao invés disso, acaba sobrecarregando os mais pobres com a cobrança proporcional mais pesada, exatamente sobre quem menos ganha. O nome disso em ‘Tributês’ é regressividade tributária. Em Português, podemos chamar de injustiça fiscal.
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Prof. Juracy Soares - e-mail: juracy.soares@unieducar.org.br
Fundador da Unieducar Universidade Corporativa. Doutor em Direito; Mestre em Controladoria; Especialista em Auditoria; Graduado em Direito e Contábeis. Certificado em Docência do Ensino Superior; Pesquisador em e-Learning. Editor-Chefe da Revista Científica Semana Acadêmica. Professor universitário e palestrante internacional. Escritor, autor do livro Enriqueça Dormindo.