Publicado em: seg, 14/09/2020 - 14:49
O Congresso Nacional está discutindo a Reforma Administrativa, que prevê o fim da estabilidade da maior parte das carreiras dos servidores públicos, dentre outras mudanças que o Governo Federal defende como estruturais.
A partir daí, uma série de questões são trazidas ao centro do debate, tendo em vista que o cerne desse pacote de medidas acaba por desmontar um modelo concebido quando da promulgação da Constituição de 1988.
Como funcionava a seleção de funcionários antes da CF/88:
Como a prática da realização de concursos públicos não era obrigatória (só passou a ser após a promulgação da atual constituição), então a seleção e contratação de funcionários se dava a partir da seguinte dinâmica:
1.: O “candidato” tinha que ter um “padrinho” que o indicasse. Era tudo na base do “Q.I.” (quem indicava). O “candidato” pedia então ao seu padrinho político (deputado, prefeito, governador, senador etc.) que lhe “arranjasse” um emprego em um determinado órgão público em uma das esferas (federal, estadual ou municipal);
2.: Se o padrinho enxergasse que o candidato poderia lhe dar algo em troca (geralmente votos para a próxima eleição), então ele simplesmente entregava um cartão seu com um “recado/pedido” direcionado ao gestor do órgão no qual o apadrinhado pediu o emprego;
3.: Então, mediante a apresentação de um mero cartão de visitas de um político ou cabo eleitoral, o apadrinhado passava à condição de “Funcionário Público”.
O cenário anterior à CF/88
Como você acha que era então, a realidade do serviço público pré-constituição? Esse cenário pode ser descrito como de um completo apadrinhamento na “seleção” de funcionários e o consequente inchaço da máquina pública com centenas de órgãos nos quais sequer comportavam – fisicamente – todos os funcionários empregados.
Para além dessa questão de inchaço da máquina pública, imagine qual era o grau de independência que um funcionário teria para com o gestor de plantão quando se deparava com situações de malversação de verbas públicas? Zero!
Ou seja, os funcionários públicos tinham zero de compromisso para com a coisa pública, já que sua lealdade era devida ao seu padrinho e aos seus projetos pessoais e políticos. Isso transformou a Administração Pública no Brasil em um verdadeiro cabide de empregos, onde milhares de pessoas próximas a políticos simplesmente eram empregadas, mas não davam um único dia de serviço ao órgão ao qual estavam vinculadas.
Imagine então o cenário quando aquele político que havia arranjado aquele emprego público perdia a eleição e não conseguia se recolocar em algum cargo-chave na Administração que sucedia a sua? A consequência imediata era a “demissão” dos seus apadrinhados, o que era “vendido” pelo político de plantão como uma ação na direção da austeridade e zelo para com o dinheiro público. Ledo engano. Todas aquelas vagas abertas com as demissões de seu adversário político eram sumariamente recompostas com os seus apadrinhados, obviamente.
O que mudou a com CF/88
A partir do dia 05 de outubro de 1988 o cargo público passou a ser objeto de preenchimento por meio do concurso público, que ganhou status de único meio para o seu provimento. A constituição estabeleceu também um marco temporal para acolher os antigos funcionários públicos com a característica de estabilidade no cargo, demarcando o lapso temporal de até 5 anos antes de sua promulgação. Ou seja, aqueles antigos funcionários públicos que estavam empregados até 5 anos antes do dia 05 de outubro de 1988 foram imediatamente considerados estáveis e migraram para a nova condição de Servidores Públicos.
A CF/88 também definiu o critério de estabilidade para os novos servidores públicos, como uma garantia constitucional contra a interferência política e com o objetivo de respaldar uma atuação funcional independente. Esse é o perfil dos servidores públicos que foi estruturado a partir da promulgação da atual Constituição Federal.
O que se pretende mudar com Reforma Administrativa de 2020?
A reforma que o Governo Federal encaminhou ao Congresso Nacional tem as seguintes características ou pontos estruturais:
Fim da estabilidade para servidores públicos:
Pelas regras atuais, todos os servidores públicos ingressam mediante concurso público de provas ou de provas e títulos e compõem assim o Regime Jurídico Único, que lhes garante a estabilidade, impedindo a sua demissão, exceto pelas regras que preveem a instauração de um processo administrativo disciplinar que pode culminar em sua demissão. Pelo que se propõe no bojo da Reforma Administrativa, a estabilidade passa a ser garantida exclusivamente a alguns cargos considerados como carreiras exclusivas e típicas de Estado.
Novos regimes de contratação:
A partir da incorporação das novas propostas à Constituição Federal, serão cinco novos Regimes de Contratação, a saber:
a.: Cargos típicos de Estado: Assim definidos em Lei Complementar posterior à Emenda, essas carreiras terão a garantia de estabilidade após o período de três anos no Serviço Público. Essas carreiras são aquelas que desenvolvem atividades exclusivas e que não encontram paralelo na iniciativa privada, como Auditores Fiscais, Diplomatas, Juízes, Policiais, dentre outras;
b.: Cargos com prazo Indeterminado: Esse grupo de servidores compreende a maioria do contingente de pessoal na Administração Pública. Desenvolvem atividades consideradas não-exclusivas de Estado. Serão contratados por concurso público, mas não gozarão de estabilidade funcional.
c.: Cargos com prazo Determinado: Serão contratados por concurso, mas para a prestação de serviços específicos, com prazo previamente estabelecido. Permanecerão no serviço público até que o prazo ou data-limite do serviço expire;
d.: Cargos de Liderança e Assessoramento: São os cargos atualmente denominados “Cargos em Comissão ou Comissionados”. Esses servidores continuam – como atualmente – sem estabilidade, tendo em vista que correspondem àquelas pessoas que atuam hoje como assessores de gestores públicos. Serão selecionados via processo simplificado que ainda não possui modelo definido;
e.: Contratação por Vínculo de Experiência:
Para os detentores de Cargos Típicos de Estado: Os novos aprovados em concursos públicos realizados após a incorporação das novas regras, passarão por um período de “Experiência”. Para os detentores de Cargos em Carreiras Típicas de Estado, esse prazo é de dois anos. Após esse prazo, só os que alcançarem as melhores avaliações serão contratados. E a estabilidade só é garantida após mais um ano de trabalho;
Para os demais servidores em Carreiras não típicas de Estado: Para esses servidores que também ingressam por concurso público, a estabilidade não virá. E o vínculo de experiência dura um ano.
Outras mudanças estruturais na Reforma Administrativa
No bojo da Reforma Administrativa uma série de direitos em vigor são extintos, a saber:
01.: Fim de promoções automáticas;
02.: Fim da Licença Prêmio;
03.: Fim do Adicional por Tempo de Serviço;
04.: Limitação de período de férias a 30 dias por ano;
05.: Impossibilidade de conceder aumentos retroativos;
06.: Extinção da aposentadoria compulsória a título de punição;
07.: Fim das Parcelas Indenizatórias concedidas sem previsão legal;
08.: Extinção de parcelas adicionais por substituição não efetiva;
09.: Impossibilidade de redução de jornada de trabalho sem redução de vencimentos (exceto por motivo saúde);
10.: Fim de promoção com base em tempo de serviço;
11.: Fim da possibilidade de incorporar ao salário quaisquer valores relativos ao exercício de cargos/funções;
12.: Mais autonomia à Presidência para alterar/extinguir órgãos e cargos;
13.: Estruturação de salários iniciais em patamares inferiores aos atuais;
14.: Alteração nas regras de demissão por mau desempenho;
15.: Fim da possibilidade de acumulação de cargo com qualquer atividade remunerada para os detentores de Carreiras Típicas de Estado, à exceção do Magistério e de atividades regulamentadas na área da Saúde;
16.: A Reforma adiciona novos Princípios Constitucionais à CF. Atualmente são cinco: Legalidade; Impessoalidade; Moralidade; Publicidade e Eficiência. Caso a Reforma seja aprovada, serão 13, com o acréscimo dos seguintes novos Princípios: Imparcialidade; Transparência; Inovação; Responsabilidade; Unidade; Coordenação; Boa governança pública; e Subsidiariedade.
Licença Capacitação – como fica?
Dentre as inúmeras mudanças que apontam para extinção de diversas garantias, uma merece atenção, A previsão para a manutenção de licença capacitação cursos, certificações, prazos e condições aplicáveis permanece.
Cargos de fora da Reforma
A proposta de alteração constitucional deixa de fora os atuais detentores das carreiras da Magistratura; Militares, Parlamentares e Membros do Ministério Público. A justificativa apresentada pelo Executivo para deixar essas carreiras de fora vão no sentido de que – conforme alega – um poder não pode interferir no outro. No caso dos militares a justificativa foi a de que a recém Reforma da Previdência dos Militares já promoveu os ajustes necessários.
Para os atuais servidores públicos
Nada muda. As novas regras somente serão aplicáveis aos que ingressarem no serviço público após a promulgação da Emenda Constitucional.
Para entender melhor a conformação atual do Direito Administrativo e Princípios da Administração Pública, sugerimos que se matricule no curso Atualização Jurídica – Direito Administrativo – Administração Pública e analise o atual tratamento conferido aos Servidores Públicos pela Lei No. 8.112/90.
Para compreender sobre a normatização atual de demissão de servidores públicos, sugerimos o curso Agentes Públicos e a Teoria Geral do Processo Administrativo Disciplinar.
Prof. Dr. Juracy Soares. É professor fundador da Unieducar. É fundador e Editor Chefe da Revista Científica Semana Acadêmica. Graduado em Direito e Contábeis; Especialista em Auditoria, Mestre em Controladoria e Doutor em Direito; Possui Certificação em Docência do Ensino Superior; É pesquisador em EaD/E-Learning; Autor do livro Enrqueça Dormindo.